Do mito da Razão à razão do Mito: Semiótica e Xamanismo

Se admitirmos, com Roy Wagner (2017), que a invenção da cultura produz sua contrainvenção, a natureza, parece-nos crível considerar que a invenção da “Razão” também produz sua contrainvenção, o “Mito”. Nem hipotético, nem antitético, pensar a razão do Mito implica perceber nossa racionalidade desde o caleidoscópio (porque múltiplo) das cosmologias ameríndias. Dado que o perspectivismo em sentido latu vai de Leibniz a Tarde, passando por Peirce e Viveiros de Castro, pensá-lo em sentido strictu nos leva a considerar o Xamanismo (KOPENAWA, ALBERT, 2015) como uma de suas formas particulares. O que nos interessa é a radical crítica à razão moderna que Kopenawa faz, a partir de suas visões xamânicas. Trata-se de um domínio do conhecimento semiótico (não estabilizado em termos científicos ocidentais), em que o Xamanismo funciona como articulador de um sistema significante. Ainda que do ponto de vista fenomênico o mundo seja o mesmo para a civilização ocidental e indígena, tal mundo é visto desde “mundos diferentes”. Em suma, aquilo que na gramática ocidental reconhecemos como “desenvolvimento”, para os povos da floresta é catástrofe, é o fim do mundo. Trata-se menos de uma inversão de valores e mais de um rearranjo cosmo-lógico. Isso porque o que para uns parece primitivismo é, no fundo, um sofisticado modo de pensar, à medida que se trata de um sistema semiótico (de produção de sentidos) que leva em conta a complexidade da ação humana. Dito isto, a proposta do debate em tela é, a partir das proposições de Kopenawa, jogar uma (contra)luz à racionalidade moderna, de modo a tentar perceber suas promessas e contradições. Ainda que a tarefa não seja de todo inédita, afinal Latour já derramou bastante tinta sobre a Modernidade, o particular nesse caso é pensar a Razão moderna criticamente desde sua contrainvenção, ou seja, desde o Mito em sua expressão xamânica. O que a “razão do Mito” opera são formas outras de pensamento-cosmovisão-relação dos povos indígenas com o universo fenomênico, que ademais serem mitológicas (na Ciência se diz “científica”), produzem um tipo de sofisticada reflexão para além de uma relação de causa e consequência. O Xamanismo, em particular, oferece um outro campo semântico de relação social, política e ambiental com o mundo, que não somente vai de encontro à Razão moderna, como oferece profundas resistências ao modelo mental dominante. Tal faculdade é própria dos xamãs, seres transespecíficos capazes de assumirem outras corporalidades (como qualidades corpóreas, não como corpo material) e mudar de perspectiva, o que implica toda uma nova dinâmica de semioses. Disso deriva um outro tipo de compreensão sobre a humanidade, entendida aqui como humanity (qualidade humana) não como humankind (tipo humano), isto é, uma condição que pode ou não ser atualizada pelas diferentes espécies. É nesta incomensurabilidade de mundos que o ser humano é deslocado do “centro do universo”, cuja principal implicação é a de que se todos podem ser humanos, talvez nós humanos não sejamos tão importantes quanto supomos e nossa razão dependa tanto dos demais seres do cosmos (Latour diria “actantes”) quanto de nós mesmos.
País: 
Brasil
Temas y ejes de trabajo: 
Semiótica y antropología
Las articulaciones y confrontaciones entre perspectivas semióticas e investigaciones en comunicación
Institución: 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Mail: 
ricomachado@gmail.com

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Accepted
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