As telenovelas brasileiras constituem um tecido de narrativas do próprio imaginário de país. Mungioli (2014) aponta para a função social da telenovela como um sistema simbólico na construção de uma imagem do Brasil e dos brasileiros, tornando-se um vasto campo para os estudos das mediações e midiatização, de modo particular quando olhamos para as práticas do consumo. Compreendemos, aqui, a midiatização do consumo conforme Trindade e Perez (2014), que ressaltam o papel cada vez mais central da mídia e suas lógicas na configuração de hábitos e práticas de consumo. Para os autores, o ritual de consumo do ponto de vista da midiatização funciona “[…] como dispositivo articulador dos sentidos dos produtos/marcas na vida das pessoas, portanto, a presença do sistema publicitário é constitutiva nesta relação de consumo” (TRINDADE; PEREZ, 2014, p. 05). Um dos pilares mais imutáveis da vida material (BRAUDEL, 2005), a moradia está relacionada aos rituais de organização da casa, da mobília, do bairro, da cidade e suas estruturas mais complexas. Fundamental na compreensão das dinâmicas das mediações do morar, o bairro surge, conforme Martín-Barbero (2009), como o lugar das articulações entre aquilo que se situa nos meios de comunicação, e os movimentos de criação e liberdade que se dão no consumo, configurando assim “o lugar onde é produzido seu sentido” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 272). Certeau, Giard e Mayol (2013) destacam, ainda, que o bairro é um espaço onde a relação com o outro é de ordem social e está sujeita a delimitações e coerções culturais ao mesmo tempo em que se realiza com pessoas com certo grau de intimidade, os vizinhos, e observam diferenças importantes nos consumos destes espaços demarcadas nas diferenças sociais entre os gêneros masculino e feminino. Este aspecto torna-se um ponto central do presente artigo, a saber, como se dão as práticas do consumo midiatizado do morar para personagens de telenovela do gênero feminino. Algo que os autores mencionados não contemplam, entretanto, são as possíveis diferenças entre os consumos dos espaços de moradia e suas mediações segundo diferenças de classe: quais os espaços e como se dão os consumos midiatizados dos espaços por mulheres de classes populares e de altas classes sociais? Para investigar esta questão, propomos uma análise dos percursos gerativos de sentido (GREIMAS, 1973; FIORIN, 2008; BARROS, 2011) de personagens femininas da telenovela brasileira A Regra do Jogo, transmitida pela Rede Globo de Televisão entre 2015 e 2016. A semiótica greimasiana permite que nos aprofundemos nas questões fundamentais da construção das personagens, bem como nos desenvolvimentos narrativos e discursivos que são a base da conformação de práticas do consumo midiatizado, aqui particularmente do morar. A partir da análise semiótica greimasiana, buscaremos, assim, compreender aspectos do consumo midiatizado do morar, nas práticas de consumo na casa e no bairro, observando com particular atenção questões ligadas à construção de personagens do gênero feminino, e diferenças marcadas entre classes sociais, aspecto este bastante central na telenovela A Regra do Jogo, objeto de nossa análise.