Memória e esquecimento: ambivalências do digital entre a Wikileaks e o Facebook

A Wikileaks tornou-se num fenómeno global incontornável convocando a questão do segredo e da transparência na era da reprodutibilidade instantânea. Mas o que a Wikileaks faz não é nada de essencialmente novo, apenas ressurge num outro contexto, na era da cultura das redes. A divulgação do segredo não significa absoluta transparência sobre o mundo e as coisas, isto é, a divulgação de um segredo pode esconder outro e a transparência pode tornar-se opacidade. A obsessão pela transparência conduz, por vezes, à protecção da revelação e desenvolve, por assim dizer, uma ideologia da transparência. A própria “transparência” do enunciado é enganadora. O que significa que somos também reféns da obscuridade do texto, das imagens. Os seus dispositivos capturam-nos nas suas tromperies, nos seus enganos, nos seus espantos. Por outro lado, é justamente na ilusão da transparência que emergem neste contexto novas fracturas no digital, recolocando o tema do repensar do novo paradigma, caracterizado por uma nova complexidade das fracturas “expostas” e dos conflitos. Os novos dispositivos técnicos consagram, de certo modo, uma conversibilidade do humano, das suas representações, mas a possibilidade de a Internet estar a democratizar a política pode ser uma ideia em falência, uma vez que não somente há mais desigualdades na política online do que na esfera política tradicional, como também o essencial do que caracterizava o analógico está também a migrar para o digital, isto é, online politics is simply "politics as usual". De certo modo, a WikiLeaks transformou-se em sintoma da nossa relação com a cultura digital, impondo efectivamente o repensar das engenharias de compromisso e também da dualidade entre a “moral” do Estado, da informação e dos seus segredos, e a do cidadão. Esta relativização do segredo e da transparência, que no caso da Wikileaks está fundamentalmente associada a fontes de informação, ressurge, no caso do Facebook, inscrita na temática da privacidade do cidadão e do potencial de disseminação de arquivos digitais pessoais, não havendo uma salvaguarda “transparente” no plano do direito à privacidade e aos dados pessoais. O facto é que o digital e a nova cultura das redes constituem como que um processo de censura face à possibilidade de apenas querermos deixar como a nossa "pegada" digital os traços que admitiríamos na nossa própria memória. Os agregadores de informação e os algoritmos dos novos intermediários digitais são tipicamente depositários de toda a "pegada" digital de um determinado utilizador, mesmo um simples “like” é informação que pode expor de modo não imaginado a intimidade do utilizador. Estaríamos assim já sob o espectro de um panopticon na temporalidade e não, como o de Bentham, na espacialidade. Pelas boas razões nitzscheanas, importa aqui defender a importância do retorno à nossa capacidade - ou faculdade activa - do esquecimento.
País: 
Portugal
Temas y ejes de trabajo: 
Transposiciones y fenómenos transmediáticos
Institución: 
Universidade Nova de Lisboa
Mail: 
frcadima@fcsh.unl.pt

Estado del abstract

Estado del abstract: 
Accepted
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